A construção civil é um dos setores mais impactantes em termos de consumo de recursos e geração de resíduos.

Com o aumento das preocupações ambientais, o mercado tem buscado alternativas para mitigar esses efeitos, promovendo o uso de materiais e técnicas sustentáveis. 

Nesse contexto, a produção de cimento e aço sustentáveis se destaca como uma solução viável para reduzir a pegada de carbono da construção civil.

Este movimento está sendo implementado tanto globalmente quanto no Brasil, onde já existem casos de sucesso que servem de referência.

Para falar sobre o assunto, conversamos com Vanderley M. John, doutor em Engenharia Civil, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Centro de Inovação em Construção Sustentável (CICS USP) e do hubIC.

Boa leitura! 

Implementação global da produção de cimento e aço sustentável

Vanderley M. John inicia a entrevista trazendo dados de um levantamento realizado pela Global Cement and Concrete Association (GCCA). De acordo com o estudo, o Brasil tem uma das menores pegadas de CO2 média do cimento.

“Nossa siderurgia é moderna e mais eficiente. As plantas que operam com fornos a arco elétrico, que processam sucata, se beneficiam muito do fato da energia elétrica brasileira ser muito mais limpa que o padrão mundial”, ressalta.

Ele também traz a informação de que, recentemente, foi aprovada uma norma de aço para concreto armado de mais alta resistência, a ABNT NBR 7480:2024, que permite descarbonizar por desmaterialização.

Como exemplo, John cita a ArcelorMittal, primeira empresa no Brasil a lançar um produto que explora o mercado de baixo carbono, o XCarb.

“Não por acaso que empresas de aço e cimento são as primeiras a emitir declarações ambientais de produto no Brasil, ainda usando padrão europeu”, complementa.

Desafios enfrentados na produção e adoção de cimento sustentável e aço verde na construção civil

Apesar dos avanços, a produção e adoção de cimento sustentável e aço verde enfrentam desafios significativos. John aponta que, “no caso do cimento, observa-se um esgotamento das rotas tradicionais de mitigação”.

“A mitigação adicional requer investimentos fabris e inovação, com toda a complexidade que elas trazem”, explica.

Atualmente, John coordena um projeto que reúne uma parcela significativa dos fabricantes de cimento na busca por desenvolver um cimento de baixo carbono e custo. 

“No caso do aço, a escassez de sucata, particularmente na região nordeste e norte, é um limitador”, diz.

A falta de políticas públicas adequadas também representa um obstáculo.

“A nível mais geral, falta o governo precificar o carbono, de maneira a tornar mais competitivas as tecnologias de baixo carbono e estabelecer um cronograma crível, negociado, de mitigação, setor a setor,” cita o especialista.

Sem essa precificação, John ressalta que fica difícil as empresas financiarem investimentos pesados, algo necessário. 

“Na área dos edifícios, que são fundamentais neste processo, o problema é muito grave: quem tem mandato são as mais de 5 mil prefeituras. Não temos nem um código de eficiência energética mandatório no país.  Sem uma política unificada que garanta um mercado de escala nacional, não será possível investir”, conclui.

Transição para uso dos novos materiais em projetos

Na opinião de Vanderley M. John, é necessário investir em “inovações nos produtos”. Contudo, fazer isso é um processo que pode trazer algumas adversidades.

“O grande desafio é inserir estas inovações na complexidade e diversidade do mercado, que inclui grandes empresas e também o consumidor ‘formiga’, sem nenhuma capacidade tecnológica”, observa.

Ele afirma que, neste momento, o hubIC – ambiente colaborativo de inovação que  a Universidade de São Paulo mantém com a Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) – está investindo em entender como pensa e como decide o pequeno consumidor.

“Vamos precisar atualizar normalização e código de obras (ainda fracionado nos municípios), atualizar profissionais de engenharia, modificar normas técnicas e o que depende no caso de inovações de pesquisas adicionais, tudo isso em um curto prazo”, explica.

“A sociedade brasileira como um todo não está preparada. Algumas empresas individuais estão muito avançadas, mas seu desenvolvimento é travado pelo conjunto da sociedade”, completa.

Futuro da produção de aço verde e cimento sustentável

Para John, a sustentabilidade é um tripé que inclui o ambiente, as pessoas e a economia. E para ter sucesso, é preciso equilibrar os três. 

“É um grande desafio já que as dimensões ambientais e sociais têm ficado fora da nossa agenda”, considera.

“No caso social, acredito que a construção é a maior prejudicada, pois uma parcela significativa da população não consegue participar do mercado profissional de construção formal”, aponta.

“Acredito que no futuro todos os materiais ficarão mais caros por causa da precificação do carbono e da necessidade de investir para mitigar. É possível, no entanto, criar políticas de compensação de maneira a não prejudicar a parcela mais pobre da sociedade”, finaliza.

E já que estamos falando sobre como melhorar a relação da construção civil com o meio ambiente, confira o projeto da Costruide para famílias do Rio Grande do Sul.