Segundo informações do Relatório de Situação Global 2020 para Edifícios e Construção, da Aliança Global para Edifícios e Construção, a construção civil é responsável por cerca de 38% das emissões de carbono atualmente.
Os números alertam os principais agentes do segmento, que estão buscando ações conjuntas e individuais para minimizar esse impacto e tornar a construção civil mais sustentável e eficiente em termos ambientais.
Para compreendermos mais, entrevistamos a Profª. Drª. Edna Possan, do Instituto Latino Americano de Tecnologia, Infraestrutura e Território da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila).
Veja a conversa completa abaixo!
Qual é a importância da captura de carbono na cadeia do concreto?
Profª Edna Possan: “Tendo em vista as questões associadas às mudanças climáticas mais evidentes e impactantes nos últimos anos, a redução das emissões de CO2 antropogênicas tornou-se fator preponderante.
A cadeia do concreto, por fazer uso em grande escala de cimento Portland, tem importante papel neste contexto, pois a produção do cimento representa em torno de 7% das emissões globais de dióxido de carbono. 60% destas emissões advém do processo de descarbonatação da rocha calcária usada como principal matéria-prima na produção do clínquer, e o restante advém do uso de combustíveis fósseis empregados no processo de clinquerização, transporte e extração da matéria-prima.
Considerando que o concreto é um material de construção primordial para a indústria da construção, sendo de difícil substituição, reduzir as emissões de CO2 associadas é urgente e necessário para se conseguir o net zero.
Como o cimento Portland possui emissões que não podem ser mitigadas no processo produtivo (emissões de descarbonatação) e com a eficiência enérgica, com base no conhecimento e avanços atuais, as tecnologias de Uso, estocagem e captura de carbono (CCUS) formam uma das poucas opções disponíveis para reduzir as emissões do concreto, sem reduzir seu consumo.”
Quais são as principais fontes de emissões de carbono ao longo da cadeia do concreto?
Profª Edna Possan: “Como citado, o cimento é o item mais emissivo do concreto cujas emissões no Brasil hoje são da ordem 173 a 823 kg.CO2 por tonelada, a depender do tipo de cimento e teores de adições empregados na fabricação.
Conforme informações do SIDAC os agregados apresentam reduzidas emissões de CO2, sem considerar as emissões de transporte. Os aditivos, por serem empregados em pequenas quantidades, representam uma parcela pequena das emissões do concreto, e são fundamentais para a produção de concretos menos emissivos, com maior teor de finos e menor consumo de cimento.
As emissões da produção, transporte e aplicação do concreto ainda são pouco discutidas e estudadas, sendo raramente incluídas nos estudos de emissões. As dificuldades na determinação destas emissões devem-se ao número elevado de combinações possíveis dos equipamentos, processos de mistura, local da obra e aplicação do concreto.”
Quais são as tecnologias disponíveis atualmente para captura de carbono na indústria do concreto?
Profª Edna Possan: “A CCUS – Carbon Capture, Utilisation and Storage – engloba uma gama de possibilidades. O tema teve início em 1977 com a descoberta da possibilidade de injeção de CO2 em formações geológicas propícias, como usinas de carvão. Trata-se de um processo complexo e oneroso, mas que pode enviar CO2 para ser estocado no subsolo.
Com o tempo, essa tecnologia foi sendo aprimorada, sendo aplicada atualmente em poços petrolíferos para extração aprimorada de petróleo e gás, onde o CO2 é utilizado como fluido para auxiliar no processo, resultando ao final em sua estocagem nos poços explorados.
Lembrando que nestes processos a captura de carbono consiste em aprisionar o CO2 de algum processo industrial ou o CO2 atmosférico. O CO2 capturado precisa ser armazenado e transportado para o local de estoque definitivo (atualmente, formações geológicas).
Há discussões importantes sobre as consequências deste envio subterrâneo de CO2 em larga escala, o que tem conduzido à realização de pesquisas que visem utilizar o CO2 capturado para outras finalidades.
Umas das possibilidades de uso de carbono está na indústria do concreto pré-fabricado, em que o CO2 industrial pode ser empregado nas primeiras idades para promover a cura de materiais a base de cimento, sendo esta uma aplicação de ordem industrial conhecida como cura carbônica que requer controle rigoroso de processos.
O CO2 empregado na cura carbônica pode advir de qualquer processo produtivo, ou até mesmo do processo de clinquerização, onde o CCS pode ser conduzido em processos de oxicombustão e pós-combustão, entre outros.
Também os materiais a base de cimento podem fixar carbono devido à reação química de carbonatação, onde o CO2 atmosférico reage quimicamente com os compostos hidratados do cimento formando carbonato de cálcio. Esse processo é conhecido como recarbonatação resultando na fixação/captura definitiva de carbono.
A recarbonatação dos materiais a base de cimento e cal ocorre naturalmente desde a aplicação do material (fase de construção), durante a vida útil (fase de uso) até após a demolição, sobretudo quando o resíduo de construção é convertido em agregados reciclados.
Na fase de demolição, onde o material cimentício é segmentado em pequenas partículas tem-se o aumento expressivo da área superficial que pode ser exposta ao CO2 (atmosférico ou industrial) sendo a fase do ciclo de vida com maior potencial de captura de carbono.”
Quais são os desafios e obstáculos associados à implementação da captura de carbono na cadeia do concreto?
Profª Edna Possan: “Os maiores obstáculos da captura nos processos de oxicombustão e pós-combustão (captura industrial de carbono) estão associados aos custos de implantação da tecnologia, que ainda são onerosos e com baixa eficácia. O segundo entrave é o que fazer com o carbono capturado.
Em relação à captura de carbono do processo de recarbonatação, o maior desafio atual é quantificar o real valor da captura de CO2 que os materiais a base de cimento e cal podem capturar durante as fases de construção, uso e pós-demolição, uma vez que existem muitos fatores que influenciam neste processo.”
Existem exemplos práticos de projetos ou iniciativas que já estão aplicando com sucesso a captura de carbono na indústria do concreto?
Profª Edna Possan: “No Canadá a empresa Carbon Cure já tem o sistema aplicado em escala industrial. Na França, há relatos de uso de carbono para tratamento de agregados reciclados. No Brasil, tem-se um estudo entre universidades e empresas com foco na aplicação de carbono em escala industrial para a cura de blocos de concreto.
Enfim, como a captura de carbono é vista hoje como a estratégia de maior potencial para controle das emissões antropogênicas de CO2, assim como reduzir os custos de taxação de carbono, novas tecnologias e casos de implantação surgem a todo o momento e quiçá em futuro próximo tenhamos mais casos de aplicação e assim com o mapeamento global deles.”
Se você quer saber mais sobre como a captura de carbono pode auxiliar a cadeia de concreto, compre o seu ingresso para o Construindo Conhecimento, com a palestra sobre o tema que a Profª Edna Possan fará especialmente para o Concrete Show de 8 a 10 de Agosto de 2023. Até lá!