O déficit habitacional é um dos dramas antigos do Brasil que ainda perdura em 2023. Embora o país tenha vivido um avanço nesta área nas últimas décadas graças a iniciativas do Governo Federal, a má divisão de terras, o crescimento das comunidades, a alta dos preços e a falta de oferta de moradias populares continuam mantendo os índices brasileiros em um patamar assustador.
Segundo dados apresentados pela Construide na 14ª edição do Concrete Show, que aconteceu entre os dias 8 a 10 de agosto no São Paulo Expo, atualmente há um déficit de 11 milhões de casas no país, o que considerando famílias de até quatro pessoas equivale a 17 milhões de pessoas – mesmo número de habitantes do estado do Rio de Janeiro.
Durante o painel “Engenharias Notáveis: Recursos e Inovações para Aumento da Durabilidade das Estruturas de Concreto”, a COO da Construide, Flávia Figliolino, apresentou o objetivo da empresa de construir moradias para famílias em situação de vulnerabilidade social através de mutirões com voluntários, e alguns dos cases de sucesso da construtora que iniciou os trabalhos em 2017 a partir de um projeto no interior do Piauí.
A empresa situada em São Paulo já entregou mais de 70 casas em várias partes do Brasil e também no continente africano, impactando cerca de 27 mil pessoas. E sempre com uma dinâmica e uma arquitetura muito próprias, e segundo a executiva, com um orçamento de apenas R$ 65 mil a R$ 95 mil reais para cada moradia:
“Não somos só mais uma construtora no mercado. O que a gente quer levar é dignidade e empoderamento, é ressignificação, é estabelecer a possibilidade daquelas pessoas sonharem em outro sonhos a partir do momento que o sonho da casa própria é realizado”, afirmou Flávia Figliolino. “Vamos abatendo a captação financeira na medida em que encontramos negócios que queiram ajudar doando material a preço de custo. Nosso maior objetivo é que os recursos financeiros captados sejam só para pagamento da mão de obra. Queremos unir mais pessoas da construção civil para que, pelo menos os insumos sejam eliminados em doação, pelo menos para um ano inteiro”, completou.
As “casas padrão” da Construide
Flávia Figliolino apresentou a palestra “As Soluções de Impacto Social na Construção Civil”, que aconteceu durante o congresso Construindo Conhecimento da Concrete Show, em que dezenas dos profissionais mais renomados do mercado falaram sobre sustentabilidade na construção civil em três auditórios com programação simultânea, somando mais de 50 horas de palestras, painéis e seminários.
A Construide trabalha com três modelos de “casa padrão”, de 41 m², 33 m² e 26 m², que oferecem vantagens como economia de materiais, de tempo, design padronizado e um orçamento único. Segundo a COO da empresa, as casas são feitas com bloco de concreto aparente e frisado, e a escolha pelo material foi baseada no sonho das famílias atendidas:
“Quando desenhamos o modelo da casa padrão, pensamos no contexto de inovação, então investimos em modelos a seco que tivessem uma agilidade maior da montagem. Já fizemos testes com outros blocos, como o cerâmico que é muito conhecido, agora estamos testando uma casa em steel frame também. Mas quando levamos a proposta para as famílias, a nossa resposta foi de que o sonho delas era ter uma casa de bloco, porque elas viviam numa casa de madeira”, disse Flávia Figliolino.
“Então o padrão construtivo de fora do Brasil ainda é uma realidade distante para as famílias de baixa renda por aqui. O básico, que é o bloco, o cimento e a areia ainda é o sonho de muita gente. É muito comum a gente se deparar com a história da Dona Maria de Fátima, por exemplo, que com 60 anos sonhava em ter uma janela de vidro para limpar. Ou então da ‘vó Rose’, uma senhora de 70 anos que disse que o sonho da vida era ter um chão de cerâmica para passar pano”, contou a executiva.
Voluntariado e seleção das famílias
Um dos principais diferenciais da Construide é a convocação de voluntários para os mutirões de demolição, montagem e decoração, e já são mais de 4 mil trabalhadores inscritos através do site construide.org. “Nós prezamos por voluntários que ‘coloquem a mão na massa’, porque assim eles podem entender a realidade em que a família vive. É um trabalho ‘de formiguinha’ mesmo: quebra tudo, tira todo o entulho, leva para a caçamba e limpa o terreno, para então construir uma nova casa. Em contrapartida, é a família que faz o café da manhã e o almoço dos voluntários, então eles puderam comer o bolinho de chuva da Dona Raimunda, a comidinha da Gil. É isso que dá a graça do negócio”, afirmou a COO Flávia Figliolino durante a Concrete Show.
A construtora também trabalha com arquitetos e artistas parceiros para que as casas sejam mobiliadas e decoradas de acordo com o gosto de cada família atendida, dando um toque único para um projeto padronizado. “É assim que trazemos a singularidade para cada história. Com os arquitetos parceiros, vamos até a família e perguntamos as cores preferidas e se as crianças gostam de algum personagem de desenho, por exemplo. Também colocamos artes nas paredes, seja do lado de dentro ou de fora, e para cada casa é um artista de parede diferente”, finalizou.
A inscrição de famílias também acontece pelo site da Construide na seção “Conte uma história”. Os critérios de seleção envolvem o tamanho do terreno, que deve ser próprio e localizado em uma comunidade estruturada, e a renda familiar que precisa se encaixar nas classes D e E (renda mensal de zero a R$3 mil por mês). As famílias atendidas também devem contribuir com 10% do orçamento, de forma parcelada no valor que couber no bolso de cada uma, para gerar um senso de pertencimento no projeto.