*Por Flavia Ranieri

Está em mudança na sociedade o significado e a experiência de envelhecer, visto que mais pessoas estão vivendo por mais tempo. Para acolher as necessidades emergentes e cada vez mais urgentes, mais iniciativas e conhecimentos precisam ser criados e compartilhados.

A arquitetura, o urbanismo, o poder público e setores da economia que atuam com casa e construção terão papel importante ao criar soluções adequadas em espaços públicos e privados. Este artigo visa apresentar uma direção para esse desafio, propõe iniciativas que envolvam profissionais e entidades com o tema, bem como propõe a adoção do termo geroarquitetura para centralizar conhecimentos relacionados ao envelhecimento e espaços construídos e a experiência neles.

O desafio

Cerca de 16% da população brasileira viveu mais de 60 anos, já sendo um país envelhecido segundo definição da ONU. Em 2030 serão 30% brasileiros nesta faixa de idade. Pesquisa IDEA 2020 da cidade de São Paulo apontou a falta de moradia adequada e acessível como a principal demanda dos idosos para o município. Vale salientar que apenas 1% da população idosa vive em Instituições de Longa Permanência, segundo o estudo SABE, da USP. E é na residência que, de acordo com pesquisas da UnB e da USP, 60% a 70% das quedas em pessoas acima de 60 anos ocorrem, sendo que idosos caem pelo menos 1x por ano e, dos que caem, 92% sofrem algum tipo de lesão. As cidades e ruas também não acolhem bem os idosos segundo IDEA, sendo que um a cada quatro idosos já sofreu queda no ambiente urbano.

Para guiar espaços construídos dispomos das normas de acessibilidade (NBR 9050), de desempenho de edificações (NBR 15575) e mesmo de normas específicas de cada município. Mesmo seguindo todas as normas não há garantia que o ambiente seja completamente adequado, visto o número de reclamações e acidentes. Há portanto a necessidade de outras abordagens, como capacitar profissionais para irem além das normas e individualizar recomendações a habitantes ou usos. Ainda no que tange Legislação, há em curso um retrocesso que “nega a participação cidadã da pessoa idosa de forma representativa nos conselhos de direitos, retirando voz, protagonismo e cidadania” segundo Movimento Nacional de Ativistas dos Direitos Humanos da Pessoa Idosa. Esta instituição e diversas outras vêm consolidando sua atuação na defesa e promoção de direitos da pessoa idosa, assim como na conscientização da sociedade para reconhecer e valorizar o envelhecimento humano.

A concepção de uma especialização

Tomemos como ponto de partida a neuroarquitetura, um campo interdisciplinar que é guiado pela compreensão dos impactos da arquitetura nos comportamentos humanos e no cérebro. A geroarquitetura, termo sem registro de uso anterior e que depende da participação coletiva para a sua construção e definição, aponta para uma abordagem interdisciplinar e poderá apoiar-se em avanços de um ainda pequeno, mas crescente, volume de conhecimento sobre o envelhecimento humano.

A maioria dos dados citados da relação de idosos e espaços construídos são de instituições do Estado de São Paulo, e a falta de informações sobre envelhecimento é outro desafio que a geroarquitetura vai enfrentar e deseja atenuar. A Gerontologia é uma área de estudo tida como porta de entrada para o assunto, sendo frequentemente encontrado como especialização ou pós-graduação, e que tem atuação também interdisciplinar, considerando aspectos psicológicos, sociais e econômicos do envelhecimento.

Bastaria a todos profissionais ligados a espaços construídos se aprofundarem em gerontologia? Talvez. Mas mediante a urgência para que espaços construídos considerem o processo de envelhecimento é que a geroarquitetura faz-se necessária. Parte da abordagem ampla da gerontologia mas trará direcionamentos específicos que já podem ser reunidos e compartilhados para uso destes profissionais. A necessidade de foco assemelha-se à geriatria, vertente da medicina focada nos aspectos clínicos e biológicos do paciente. É válido apontar a derivação de “géron”, radical que vem do grego e significa “velho”, “idoso”.

Sob a ótica da “arquitetura”, quando pensada para incluir a pessoa 60+, há preconceitos e estereótipos embutidos em decisões sendo tomadas em projetos comerciais e residenciais a todo momento. A resolução começa pela compreensão de que o público maduro é diverso e complexo. Nem todos os longevos são iguais. Nem todas as soluções servem para todos. É necessário, acima de tudo, entender que as pessoas envelhecem de formas diferentes.

Oportunidades

Quando nos especializamos na área da geroarquitetura, saímos da nossa zona de conforto e automaticamente reaprendemos a nos comunicar. Entendemos que palavras têm peso, significado e histórias. Aprendemos a escutar mais do que falar. Aprendemos a não julgar. Aprendemos a respeitar. Entendemos que  projetar para uma pessoa de 60 anos é muito diferente de projetar para uma pessoa de 80. Que cada etapa tem sua especificidade. E que projetamos para uma realidade de hoje, porém, com os olhos atentos à realidade do futuro.

Geroarquitetura não é fazer uma arquitetura assistencial ou hospitalar. O foco dela é na máxima independência e autonomia do usuário. É pensar em uma arquitetura capaz de acompanhar o processo de envelhecimento. Uma arquitetura flexível e dinâmica como a vida é. Uma arquitetura que aceita e prevê mudanças tanto graduais como repentinas.

O desafio de entender quem é o usuário, quais as normas envolvidas, qual vocabulário correto. Entender que não existe somente um tipo de instituição de longa permanência ou um só tipo de moradia, ou seja, não existe uma regra geral.

Essa é a grande proposta da geroarquitetura: conhecer de tudo, em um espectro amplo, para daí então trazer sugestões assertivas no detalhe. Nós, arquitetas e arquitetos, que estamos acostumados a projetos complementares, somos desafiados a nos readequar e começar a falar sobre acústica específica para quem tem déficit auditivo, iluminação para quem tem déficit visual, comunicação visual para quem tem déficit cognitivo, ergonomia para quem depende de um apoio para se levantar sozinho. Precisamos garantir que o ambiente construído permita que as pessoas continuem a fazer o que sempre fizeram, o que elas têm apreço por fazer, garantindo também que consigam aprender coisas novas.

Em geroarquitetura, é essencial falar sobre reinserção no mercado de trabalho, aposentadoria, sobre tecnologia para seniores que estão recomeçando a carreira profissional. Os que vão trabalhar em casa, seja dando continuidade ou início a uma nova fase da vida. Do nosso lado, como profissionais, isso implica em se deparar com realidades muito distintas – o que, para arquitetas e arquitetos, é um universo totalmente novo.

Essa nova área também abrange o debate sobre doenças e a compreensão de como elas afetam a longevidade. Falar sobre geroarquitetura é falar sobre saúde, e é essencial compreender a força deste vetor na motivação das pessoas e como os espaços e experiências podem ser concebidos.

Amplitude, governança e impacto social

Acreditamos que o “geros” ou “geron” ainda vá chegar em outras atividades, em especial na economia criativa e na gestão de pessoas. Acreditamos que veremos o gerodesign, geromarketing e outras variações que contribuirão para suas áreas e para o todo. De certa maneira, será uma continuação da influência da gerontologia.

Temos plena crença de que somente com a participação de mais instituições, profissionais e atuação para reduzir desigualdades a geroarquitetura terá impacto. Dentre as iniciativas que tomaremos e que convidamos profissionais e interessados a contribuir:

– Atuação institucional com abertura de grupo de trabalho em associação / conselho de classe;

– Palestras gratuitas para faculdades de arquitetura com CPC, métrica de avaliação do MEC, abaixo de 3;

– Lançamento de cursos para profissionais. Saiba mais

Quiçá a geroarquitetura venha ser uma nova expressão para o vocabulário da sociedade, para guiar empreendedores em iniciativas inovadoras; profissionais nas suas atuações e novos projetos; acadêmicos, pesquisadores e formadores de conhecimento no aumento da compreensão. Acreditamos que a geroarquitetura chegou para renovar, tão nova quanto a nova geração de longevos que estão despontando pelo mundo. Convido você a se juntar a este movimento.

Vamos transformar espaços para pessoas que vêm transformando o mundo?

*Flavia Ranieri formada em Arquitetura e Urbanismo pela UFMG (2000), fez Pós-Graduação em Conforto Ambiental e Conservação de Energia pela USP (2003), especialização em Empreendedorismo e Novos Negócios através  do programa da Goldman Sachs e FGV (2012). Capacitou-se utilizando técnicas de design thinking para o público idoso junto da empresa Service Sprints em 2014 e em 2017 realizou a Pós-Graduação em Gerontologia pelo Albert Einstein – Sociedade Beneficente Israelita Brasileira